quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Criação coletiva

Com o romance escrito por ele, um projeto multimídia deu oficialmente a largada em uma invasão que ocorrerá na vida de quem consome games, quadrinhos e livros com temáticas ligadas à ficção científica. Taikodom: Despertar é o segundo livro deste game designer carioca, com formação de historiador, e deve apresentar a leitores brasileiros e portugueses uma inciativa nacional que já consumiu investimentos da ordem de R$ 15 milhões. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a responsabilidade que teve em mãos, no processo de criação verdadeiramente coletiva que game e romance compartilharam e sobre o que o futuro reserva ao Taikodom, ou Domínio do Espaço, o primeiro Massive Social Game do mundo. Com vocês, o especialista em space opera deste quadrante do espaço, João Marcelo Beraldo.

Antes do lançamento de Taikodom: Despertar e de ser contratado como game designer pela empresa responsável pelo projeto, a Hoplon, você já tinha experiência tanto literária quanto com jogos, certo? Poderia falar um pouco sobre seus livros, impresso e on-line, anteriores e sobre outros games com que trabalhou?


Bom, meu primeiro livro impresso foi Véu da verdade, uma ficção Space Opera em um universo próprio. A proposta dele era criar um universo ficcional com estilo próprio, com um jeitinho brasileiro, e com espaço o suficiente para vários tipos de história não necessariamente interligadas. O Véu foi a primeira, mas longe de ser a única. Quando o livro foi publicado no final de 2005, já tinha terminado de escrever a primeira versão de Jogos de Guerra, que se passa na mesma época, mas com personagens diferentes. Em seguida tive vários contos publicados online e um na revista Scarium. De lá para cá também lancei dois ebooks sobre algumas das raças alienígenas desse UF para o mercado de RPG internacional e um RPG com sistema próprio para o mercado nacional.

Antes do Taikodom, fui um dos fundadores de um grupo chamado SomniumStudio, que pretendia lançar jogos de computador no Brasil. Chegamos a ser convidados a palestrar sobre o assunto em algumas universidades do Rio de Janeiro. Nessa época chegamos a trabalhar em alguns projetos como a Nave-Escola do Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro, quando desenvolvemos um simulador espacial com física realista, além de projetos em multimídia. Nessa mesma época estávamos trabalhando no desenvolvimento de um space sim chamado Border Wars, com um Universo Ficcional desenvolvido por mim.

Mas, talvez a origem dessa relação escrita+jogos tenha sido um período de quatro anos em que desenvolvi e mestrei através da internet um RPG de sistema próprio baseado na série de jogos Wing Commander. Chegamos a ter 30 jogadores de todo o mundo. Foi apenas a falta de tempo que nos privou de continuar esse projeto. Sei que aprendi muito dessa época o que aplico hoje no desenvolvimento de Taikodom.


Sobre o processo de criação deste romance, qual a diferença entre trabalhar com um universo criado por outra pessoa e a liberdade de criar seu próprio mundo como fez em Véu da verdade? É comparável com o que você já havia feito em termos de fanfics, por exemplo, ou é uma experiência diferente?


Nunca é igual. Mesmo de um UF compartilhado para outro, de um fanfic para outro, existe muita diferença. Alguns UFs são extremamente detalhados, deixando pouco espaço para desenvolvimento, enquanto outros são propositalmente abertos.

O Véu da verdade foi um exercício e um desafio que resolvi impor a mim. No Reveillon de 2004, enquanto discutia com o pessoal da SomniumStudio sobre algumas questões do UF do Border Wars (que, mal ou bem tinha limitações técnicas e de foco, assim como o Taikodom), resolvi jogar todas as idéias mais loucas que tivesse na gênese de um novo UF. Algo totalmente sem barreiras, puxando crítica social, comédia no estilo Mochileiro das galáxias e um pacotão de ação e intriga. Um ano depois, publicava o primeiro romance da série. Foi muito divertido e extremamente gratificante. Afinal, foi meu portfólio para entrar na Hoplon.

No caso do Taikodom, por ser um universo em desenvolvimento (especialmente em 2006, quando me tornei parte do projeto), apesar de existirem certos elementos já definidos, havia muito a se criar. Parte do meu trabalho ao ser contratado pela Hoplon foi encontrar buracos e preenchê-los com detalhes que dessem pano pra manga. Foi parte do motivo pelo qual acabei trabalhando bastante no período em que o jogo se passa hoje, um período o qual ainda não havia sido trabalhado pelo Gerson [Lodi-Ribeiro] e o Roctávio [de Castro]. Enquanto no início você tem que se acostumar com certas nuances do UF, logo certas coisas se tornam naturais. Essa é a vantagem de um UF desenvolvido meticulosamente por um grupo de pessoas dedicadas ao projeto. A cada encontro (virtual ou físico), surge pelo menos uma nova idéia de como explorar esse universo.


Qual foi a responsabilidade de abrir as portas deste universo ficcional antes mesmo do criador dele, já que seu romance foi lançado primeiramente que a coletânea de contos de Gerson Lodi-Ribeiro, que assina a introdução de seu livro, aliás?


Bom, na verdade o Taikodom foi criado pelo Tarqüínio Teles e Cristóvão Buzarello, dois dos sócios da Hoplon. O Gerson é sim o principal autor e certamente sem ele não haveria muito do que se desenvolveu desde o início do projeto. Mas o que temos que lembrar é que, nesse momento inicial, o Taikodom é principalmente um jogo online. Foi por esse motivo que acabei sendo incumbido pelo Tarqüínio dessa responsabilidade. E que resposabilidade! Deu um frio na barriga quando ele disse, brincado sério, que eu deveria escrever o Hobbit [referência ao livro que antecede as obras mais conhecidas da saga de O senhor dos anéis, de J.R.R. Tolkien] da nossa Trilogia (que está nas mãos do Gerson). A decisão foi bem pensada pela diretoria da Hoplon. Despertar tem uma visão mais pessoal do UF, diretamente relacionada ao jogo o qual o romance apresenta. O passo seguinte é dar mais detalhes sobre esse UF, com as Crônicas do Taikodom, de autoria do Gerson, e as demais obras em seqüência. O frio na barriga do lançamento veio e veio forte. Agora é o momento da alegria de ouvir e ler os comentários sobre quem se interessou e leu.

No caso deste livro, não só era um universo que já existia previamente, mas também um trabalho que envolve a parceria com outros criadores. Como foi sua interação com Gerson Lodi-Ribeiro, Roctávio de Castro e outros membros da equipe de criação? Há uma cooperação entre vocês nas diversas mídias que o projeto envolve?


Tem que ter uma cooperação. Sem ela, seria impossível desenvolver um Universo Compartilhado. Durante muito tempo, em especial do início dessa parceria, em que muito sobre o UF do Taikodom estava sendo discutido, que tínhamos reuniões via skype duas vezes por mês e trocas de emails praticamente diárias. Todo ano temos pelo menos um fim de semana prolongado de discussões sobre os detalhes mais importantes. Com o tempo, todos nos tornamos mais seguros do que criamos juntos e do entendimento dos demais. Discutimos idéias e trechos de novas obras, comentamos em cima, jogamos mais idéias e às vezes acabamos com mais idéias para novas histórias. Hoje temos personagens criados por um andando nas histórias dos outros. Isso se tornou uma diversão, ver como nossas criações aparecem pelas palavras de outro autor. Foi o que permitiu que personagens como Júlia Honoré, criada pelo Roctávio, e Antoniadis, criado pelo Gerson, ganhassem papéis importantes no jogo e no Despertar. E esse é só o início.

E o envolvimento de outros membros da equipe? Ao todo são quantas pessoas envolvidas direta e indiretamente com todo o projeto Taikodom?


Muitas! Hoje acredito que já passe dos 70 colaboradores diretos, além de tercerizados e equipes de outros projetos da Hoplon. Existe um envolvimento geral, mesmo que nem sempre oficial. Quase todo o dia alguém aparece na baia do departamento de Conteúdo do Taikodom com algumas idéias para o jogo. Pode ser um personagem, uma história, um elemento de jogo... ou às vezes só perguntar os porquês. A verdade é que, na prática, o UF do Taikodom é criado a cada dia por toda a equipe e, claro, também pelos jogadores. Dentro do próprio departamento de Conteúdo temos um envolvimento bem grande com a criação desse UF. Por exemplo, o Paulo de Tarso é meio que nosso escritor invisível. Ele tem um estilo de escrita que garantiu que eu separasse alguns personagens do jogo para serem exclusivos dele. Tanto que ele foi um dos hoplitas imortalizados no UF ganhando um personagem próprio. No caso dele, o repórter intrometido Wayne Mesquita Jr, criado pelo próprio PDT.

Há pelo menos uma citação explícita a uma outra obra do gênero space opera no livro, quando um dos protagonistas menciona os cavaleiros jedi. Os filmes da série Star wars são uma de suas influências em termos de ficção científica? Que outras poderia apontar entre literatura, cinema, seriados de TV, quadrinhos e vídeo games?


Sempre fui fascinado por combates espaciais, com caças disparando mísseis e fazendo piruetas enquanto explosões gigantescas tomam o espaço. Foi isso que me tornou fã de Guerras nas estrelas. Tanto que tenho a coleção completa de quadrinhos e romances da série X-Wing, mas tenho pouco sobre cavaleiros jedi e afins.

Acho que influências são tantas. Em especial nos jogos. Fui começar a ler romances relativamente tarde. O que me prendeu à ficção científicia foi, em primeiro lugar, os jogos de computador como a série Wing Commander e jogos da série do Guerras nas estrelas, como X-Wing e Tie Fighter, e de estratégia como Masters of Orion 2. Tanto que o primeiro romance de ficção científica que lembro ter comprado foi End Run, um dos primeiros romances da série Wing Commander.

De lá para cá, foram muitos livros. Sou fã descarado da série clássica do Battletech, desde o jogo de tabuleiro ao RPG e à coleção de pra mais de 50 romances que tenho aqui em casa. E sei que muito do meu estilo de narrativa, de combate, ação e intriga, vêm de livros dessas séries.

Na TV e no cinema menciono do que vêm à mente Cowboy Bebop, Babylon 5, Firefly, Earth above and beyond, Último guerreiro das estrelas, Quinto elemento e Eclipse mortal. Acho que até na minha infância eu pesco influências de desenhos como Transformers, Galaxy Rangers, Macross, Mask, Silverhawks e sabe-se lá mais o quê.

Taikodom: Despertar vai ser a única aparição de Jorge Santiago e de Augusto Carrera ou você e seus parceiros da Hoplon têm outros planos para a dupla e para outros personagens seus que aparecem nesta primeira trama?

Despertar é apenas o começo. Já tenho outra história esquematizada e com algumas cenas escritas que serve como uma continuação, mas ainda não tenho previsão para escrevê-la. Mas ambos poderão dar as caras em outras obras, inclusive no novo romance que comecei a trabalhar agora ou mesmo no jogo. A trilogia que o Gerson está escrevendo também inclui personagens meus e do Roctávio. Quais? Vocês vão ter que esperar mais um pouquinho para saber!

Quanto ao game, ele acaba de ser apresentado ao grande público, após mais de quatro anos de desenvolvimento. Quais são as expectativas da equipe para as próximas fases deste empreendimento que, muito provavelmente, é o maior e mais ousado da história da ficção científica brasileira?

O projeto é dividido em várias partes. E cada parte lançada é uma nova conquista para nós. Nossas expectativas são de sucesso, claro! Desde o início a Hoplon teve em mente o mundo, e será nossa grande conquista para o ano de 2009. O Taikodom tem tido uma repercussão incrível entre os entendidos da indústria no exterior. Mais do que esperávamos para nosso modesto lançamento nacional do módulo de ação. O sucesso nacional e os sinais de sucesso internacional têm nos dado um grande apoio e fôlego para a longa jornada que ainda está pela frente. Acreditamos que será uma excelente forma de colocar o Brasil em evidência lá fora no mercado dos jogos e, claro, também no mercado literário. Além do mais, os planos para o exterior não se limitam apenas ao jogo.

Taikodom é descrito como o primeiro Massive Social Game do mundo. Você poderia descrever quais são os diferenciais dele para outros games on line existentes e o porquê desse "Social" na sua denominação?

Mundos virtuais hoje, sejam jogos ou ‘vidas secundárias’, são fechados em estilos bem específicos. Mesmo no que se trata de mundos caixas de areia (aqueles em que você está livre para fazer o que quiser), existe uma limitação no que realmente é possível ser feito. Isso geralmente é relacionado ao gênero do jogo. No MSG, o que temos é mais do que um simples jogo ou ambiente virtual. É tudo isso e mais um pouco. O Taikodom alcançará um estágio em que jogadores de space sim, jogos de estratégia, jogos corporativos e os casuais que gostam apenas de interagir em um mundo virtual poderão encontrar-se em um ambiente compartilhado em que as ações de um podem afetar a vida de outros. Então você pode ter uma pessoa que entra no Taikodom apenas para administrar um bar virtual. Nesse bar, um grupo de jogadores do jogo de ação discutem um combate que foi planejado por um jogador do jogo estratégico, porque outro jogador, presidente de uma corporação virtual, promoveu um embargo econômico que, por sua vez, pode ter afetado o fornecimento de cerveja para o dono do bar. Quem sabe não foi esse dono de bar que contratou o esquadrão de mercenários para garantir que o fornecimento voltasse ao normal?

E quanto a outros projetos seus, dentro e fora do Domínio do Espaço? Há alguma novidade que você possa antecipar?


Comecei a trabalhar em um novo romance para o Taikodom. A história tem início mais ou menos no meio do Despertar e terá algumas relações com os eventos do primeiro livro, mas trata-se de outros personagens e outro conflito. Esperem encontrar algumas caras conhecidas tanto do Despertar quanto do jogo.

Fora do Taikodom, tenho trabalhado um pouco no UF do Véu da verdade, escrevendo alguns contos e voltando a investir numa publicação do Jogos de Guerra. Mas tenho me focado mais em duas novelas para o Universo Compartilhado de space opera da Fábrica dos Sonhos, um grupo online de escritores. Fiquei meio desligado do projeto uns meses, mas voltei para terminar a primeira novela durante as férias de fim de ano.

Fugindo um pouco da ficção científica, venho trabalhando há uns dois anos em um mundo de fantasia que é tão grande que dá espaço para tudo quanto é tipo de história, da fantasia infantil de fadas e gnomos ao dark estilo The Black Company, a fantasia rpgística até um New Weird alá Méville [autor do já clássico Perdido Street Station]. Tudo interligado, claro, para evitar o efeito colcha de retalhos. Tenho várias histórias estruturadas e algumas cenas escritas, mas agora estou focado no infanto-juvenil para variar um pouco. De resto, só o futuro sabe!