domingo, 3 de fevereiro de 2008

Crítica e metacrítica

Um escritor de ficção científica recém-publicado que é ao mesmo tempo bastante crítico quanto ao futuro da ficção científica. O autor em questão lançou seu livro, Macacos e outros fragmentos ao acaso, em meados do ano passado, após tê-lo deixado quase uma década à espera da sua conclusão, tempo em que ele, jornalista de profissão, se estruturou em um novo país. Falando diretamente da Flórida, após uma brevíssima passagem por seu Rio de Janeiro natal, o autor fala de como o livro mudou sua vida uma vez enquanto o escrevia e de como pode voltar a mudá-la, agora que o publicou, descreve o modo pouco usual como encara este gênero literário em que se aventurou e sobre o desenvolvimento de um projeto colaborativo de sua criação. Com vocês, o metacrítico da FC, Jorge Moreira Nunes.

Macacos e outros fragmentos ao acaso acabou sendo sua estréia como autor de um livro de ficção científica, mas ele contém material que foi escrito há quase dez anos. Dá para fazer uma checagem no seu arquivo e conferir se há mais textos, entre inéditos e publicados, de sua autoria? Ainda há outros textos fictícios escritos antes da produção do livro e no intervalo de mais de oito anos até o lançamento do romance?


Tenho alguns textos inéditos, mas que não vejo porque publicar em lugar algum, por várias razões. A maioria não tem a qualidade mínima que mereça o esforço, outros são apenas esboços de projetos, num total de meia-dúzia de textos. Depois que me mudei para os EUA, minha produção literária congelou-se completamente. Não escrevo nada que mereça ser chamado de literatura há oito anos.

Qual é a sensação de lançar um livro, e logo a obra de estréia, de modo tão isolado? Ela acabou saindo distante do tempo em que foi escrita, em 1998, e você mesmo está bem afastado da cidade em que a história se passa, o Rio de Janeiro. E tanto o tempo quanto o espaço são personagens importantes para o romance.

Acho que não houve um “;lançamento”; de verdade, mas apenas uma “;impressão”;, que aliás foi bancada por mim. Nunca tive a ousadia de submeter os originais a uma editora para avaliar suas possibilidades, mesmo porque não acho que o livro teria boa receptividade entre os editores mainstream, apesar de ter ganhado a bolsa para obras em fase de conclusão, da Biblioteca Nacional, em 98. Queria apenas me livrar dos originais e colocá-los no mundo para que seguissem o seu caminho, e para isso não seria necessária minha presença física no Rio. Já que a minha intenção seria distribuí-lo de graça, não houve também uma necessidade de seguir um plano de marketing para divulgá-lo e promover vendas. É claro que a intenção será sempre a de que as pessoas leiam o livro, mas gosto de observar como ele se comporta sem uma interferência mercadológica. Pessoalmente, para mim foi muito importante me livrar do trapézio machadiano na cabeça que ele representava desde que ficou pronto.

Os distanciamentos, tanto no tempo quanto no espaço, não trouxeram maiores conseqüências. Estive no Rio, agora em dezembro, e o cenário do livro não mudou nem um pouco. Talvez o fato de situar a história na virada do milênio tenha tirado um pouco da sua atualidade mas, como você bem salientou na sua resenha, Macacos trata de um Rio de Janeiro de todos os tempos.

Como foi o processo de montagem da estrutura do livro? Há quanto tempo você cultivava a idéia montar uma história que contextualizasse vários de seus contos em um romance de metalinguagem?

Jamais tive essa idéia, isto é, de caso pensado, e nem parei um dia e decidi: “;Vou escrever um livro”;. Macacos surgiu de repente, quando percebi que era possível construir uma espinha dorsal que reunisse em torno alguns contos meus, usando uma espécie de corrente de palavras que eu andava a escrever e que depois viria a ser Macacos. A corrente era uma brincadeira pessoal, uma verborragia cheia de associações psicanalíticas reunidas com alguma preocupação literária, por assim dizer, mas sem qualquer aplicação prática nem maiores intenções. A metalinguagem foi usada para facilitar a conexão entre os diversos contos: nada melhor para colocá-los no mesmo saco que as críticas de Vlad... E assim o livro foi sendo escrito pelo caminho, à medida que as associações entre os contos e a corrente surgiam e sugeriam enredos, quase de forma espontânea.

E a seleção dos textos que fizeram parte dessa experiência? Você aproveitou “;Saviana”;, por exemplo, mas deixou de lado outro conto escrito originalmente para coletânea Intempol, “;O furacão Marilyn”;, quais foram os seus critérios de escolha?

A Intempol foi um grande estímulo para a elaboração do livro. O surgimento daquele universo compartilhado e suas possibilidades me fizeram ter vontade de escrever. Assim que Octavio Aragão criou a sua lista de discussão, escrevi ”;O furacão Marilyn”; e “;O ovo e a galinha”;, minhas primeiras tentativas de contribuir para o universo. Esses contos foram escritos sem qualquer pretensão, meio que de brincadeira e de uma penada só.

Já “;Saviana”; mereceu uma maior atenção, porque a Intempol já ganhava uma dimensão mais consistente. O critério de escolha foi muito simples, porque a minha produção é bem limitada: de todas as minhas tentativas, os contos que estão no livro são os únicos que considero sofríveis para publicação.

Entre os dois personagens principais de seu livro há um único consenso, ainda que com alguma diferença de intensidade: a crítica à FC como gênero literário. O antagonista Vlad a classifica como masturbação e diz que “;essas histórias não têm absolutamente nenhum motivo que não seja tentar inflar o ego de quem as escreve”;. Já o personagem narrador diz acreditar que “;a ficção científica já morreu e não sabe”;. E você mesmo, como autor, não personagem, qual sua opinião a respeito do assunto?

Eu e Vlad somos bastante preconceituosos, é verdade…; O fato é que posso estar falando sem conhecimento de causa, porque minhas leituras de FC são bastante limitadas e restritas a alguns clássicos do gênero, e àqueles continhos do tipo da Asimov Magazine, mas intuitivamente penso realmente que a FC anda nos seus estertores. E, como todo preconceituoso, tenho o mau hábito de não gostar de várias coisas mesmo antes de conhecê-las, e uma dessas coisas é a FC pós-moderna e os seus subgêneros, tais que cyberpunks, pulps e afins. Talvez o meu encanto com a FC tenha se desfeito ao mesmo tempo que se desfizeram os sonhos de futuro que minha geração possuía.

Durante a virada de 60/70, era quase certo que o futuro próximo nos reservaria viagens interplanetárias, hotéis na lua e outras maravilhas tecnológicas. A FC era baseada nesses sonhos, ao mesmo tempo que os alimentava. Depois que o futuro desmoronou, perdi o interesse e não mais acompanhei o mainstream.

Quanto à FCB, há coisas boas e outras nem tanto. Desconfio que há uma certa tendência para o pastiche, para simular fórmulas alheias retiradas dos ídolos dos escritores. Faltam, é verdade, aquela obra emblemática, aquele autor consagrado, apesar de haver gente com bastante talento escrevendo. Talvez seja uma questão de estatística, como diria um macaco: se a gente produzir bastante, um dia, por força estatística, pode ser que alguém traga a redenção para a FCB.

E por que, dentre tantas possibilidades existentes, você, um jornalista, escolheu a ficção científica para expressar seu lado literário?

Não sei se foi uma “;escolha”;, porque não decidi delibradamente escrever FC. Apenas escrevi o que imaginei, e se o resultado pode ser chamado de FC, não há problemas. Mas prefiro deixar a catalogação do livro em aberto.

O projeto colaborativo Macacos é uma das bases do seu primeiro livro. Quando e de onde veio a idéia para elaborar tal iniciativa e o que você tem achado da evolução da experiência ao longo dos anos?

A idéia de abrir a corrente veio como conseqüência natural do livro, e foi muito interessante trazer para a realidade o conceito contido no livro.

Quer dizer, até agora a corrente tem cumprido no mundo real exatamente a função que lhe foi atribuída inicialmente no livro. Se ela vai seguir o destino que o livro lhe preparou, isso é outra história, mas por enquanto a realidade está acompanhando a ficção. A evolução de Macacos foi realmente impressionante durante esses anos. Por algum tempo, o website ficou estacionado num canto distante da internet, e tinha muito poucas colaborações, ainda que chegassem duas ou três contribuições à corrente por mês. Depois que ela encontrou seu domínio próprio ( www.macacos.net ) a coisa decolou. Hoje, mais de 90% da corrente foram acrescentados pelos visitantes do site, que escrevem de tudo ali. Isso com pouca ou nenhuma divulgação. Não posso deixar de reconhecer, no entanto, que ela recebeu um impulso fantástico de um entusiasta de primeira hora: Carlos Alberto Teixeira (CAT), d’;O Globo, que dedicou uma sua coluna inteira para a corrente, muito antes do livro ser lançado.

Ao longo do texto, são citados vários autores de diversos estilos, Nietzsche, Borges, Eco, Poe, Clarke, Miller... Quais são os escritores que mais o influenciam na hora de elaborar seus trabalhos de ficção? E o que você anda lendo atualmente?

É difícil listar os autores que me influenciaram, porque acho que essa influência está num nível inconsciente, mas com certeza esses que você citou estão presentes, e mais pelo menos uma centena de outros, ainda que eu não consiga identificar nada desses autores no meu texto (quem me dera!).

Não procurei reproduzir nenhum estilo específico no livro, e também acho que ainda não desenvolvi um estilo próprio, para que possa ser analisado sob uma ótica de influências. Quanto às leituras, tenho lido muito pouco, mas no momento leio um livro bem interessante sobre o xadrez - O jogo imortal, de David Shenk -, sobre como a dinâmica do jogo parece ser um simulacro em menor escala de todos os dramas vividos pela humanidade.

Aparentemente, ao final do livro você fez uma pesada sessão de autopsicanálise e até de autoexorcismo. Como foi passar por tal experiência e, quanto à sua relação com a crítica e com a autocrítica, algo mudou depois de escrever e, finalmente, publicar a obra?

De novo, tudo me parece um processo inconsciente. Não estruturei o livro deliberadamente com essa intenção pessoal, mas ela acabou surgindo com o seu desenvolvimento. E, coincidência ou não, o livro transformou mesmo a minha vida, começando pelo fato de os originais terem ganhado o prêmio da BN.

Isso me valorizou como profissional e me abriu portas aqui nos EUA, onde acabei por me fixar, abrindo um jornal. Embarquei para cá exatamente dez dias depois de receber a premiação por Macacos durante a Bienal do Livro de 99, e o deixei de molho desde então. Agora, oito anos depois, parece que ele está a fim de transformar a minha vida novamente…;

Neste intervalo de mais de oito anos entre o começo e o fim de Macacos você pensou em voltar a desenvolver algum novo projeto? No futuro próximo há a possibilidade de sair mais algum livro seu ou alguma nova experiência interativa?

Durante este período estive muito ocupado com a estruturação da minha vida profissional aqui nos EUA, empenhado na construção e consolidação do meu jornal como empresa. Hoje, já posso relaxar um pouco e voltar a pensar em coisas como literatura e música, duas paixões (e frustrações). Tenho algumas idéias gravitando, mas preciso antes resgatar o hábito de escrever regularmente e desenvolver uma certa disciplina.

Não acredito que um possível novo livro venha nos moldes de Macacos, acho que ele já foi para o mundo. Possivelmente será alguma coisa mais convencional, uma história simples.

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