quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Uma distopia nada ambígua

O texto abaixo é a introdução escrita por mim para o livro Fome, de Tibor Moricz, lançado pela editora Tarja:

Nas páginas seguintes, você terá a oportunidade de testemunhar a morte de, pelo menos, dois mitos. Um deles é a tradição bem-comportada da Ficção Científica brasileira, uma vez que o bom-mocismo desse gênero da literatura nacional raramente encontrou quem o desafiasse ao longo dos anos. Já nas linhas iniciais do primeiro dos quinze contos, Tibor Moricz trucida tal padrão estabelecido ao ir muito além do que fez, por exemplo, lá no início da década de noventa, o pioneiro e decano André Carneiro em sua singular utopia sexual Amorquia.

O paulistano descendente de húngaros (mais especificamente, sobrinho-neto de um dos maiores escritores e dramaturgos daquele país, Zsigmond Móricz) criou nesta coletânea uma distopia nada ambígua. Se em seu romance de estréia, Síndrome de Cérbero, ele fez uso de um tema clássico da FC mundial – a viagem no tempo – para analisar a angustiada relação de um filho com o pai ausente, aqui o autor volta a trabalhar com um cenário bastante conhecido, o do futuro pós-apocalíptico, mas com resultados bem mais cruentos.

Em Fome, o Caos e o Abismo de Nietzsche abusam, torturam e canibalizam um segundo mito, o do Bom Selvagem de Rousseau. A civilização acabou, os governos não existem mais, as relações familiares e as religiões ou se extinguiram ou surgem apenas como caricaturas farsescas. O que move os poucos sobreviventes é a urgência em atender àquela necessidade física que dá nome à obra. A fome, em suas diferentes e variadas manifestações, é a protagonista onipresente.

“Não eram tempos para analogias”. Dessa maneira se define o mundo descrito a seguir, em um dos primeiros contos. Mais à frente, em outro texto, retoma-se o assunto. “Um tempo onde a comida não existia. Um tempo onde a água pura não existia. Onde a sobrevivência suplantava tudo. Mas um tempo, sobretudo, onde todos, sejam caça ou caçador, sabiam que a vida é uma questão de sonho e decepção”. É nesse tempo e nesse lugar que você está entrando agora, no espaço da Entropia. Não é bem o caso de dar as boas vindas, mas a verdade é que você está prestes a conhecer a distópica entropia de Tibor Moricz.

Vire a página por vontade própria.

Nenhum comentário: