segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Empreitada transregional

Ele é natural de Brasília, trabalha em uma empresa de Florianópolis, lançou uma minissérie em quadrinhos em parceria com um desenhista de São Paulo que se passa em um universo ficcional cujo principal autor mora no Rio de Janeiro. Esse é um resumo simplificado da empreitada transregional vivida pelo roteirista de Eterno Retorno, a estreia do game espacial Taikodom no mundo das HQs. Nesta entrevista, o quadrinista também estreante fala da experiência de trocar o jornalismo pela ficção, detalha o processo de criação de um projeto que se espalhou pelo território nacional e dá uma ideia de como é viver entre o presente e um mundo paralelo do futuro. Com vocês, Rodrigo Octavio Nogueira de Castro Santos que, felizmente, simplificou seu nome artístico para Roctavio de Castro.

Você é jornalista e nasceu em Brasília. Como veio parar em Santa Catarina e a se interessar por ficção?


Vim para Santa Catarina fazer universidade em 1997, convivia com uma turma que sempre se interessou mais por jornalismo literário, pelas grandes entrevistas e grandes reportagens do que pelo que víamos na grande imprensa. Os caras que eu gostava de ler eram tão bons repórteres quanto excelentes escritores. Comecei a faculdade lendo Fausto Wolf, Fernando Morais, José Hamilton Ribeiro. Depois vieram os caras do new journalism: Truman Capote, Tom Wolfe, Gay Talese e, do lado mais porra-louca, o Hunter Thompson. Buenas, como nunca tive paciência para a grande imprensa, e nem a coragem e o desprendimento para me jogar no mundo atrás de grandes histórias, acabei caindo na ficção. :-)

E qual sua produção nessa área e como foi sua aproximação da Hoplon, a empresa que desenvolve o game Taikodom?

Na verdade, exceto por trabalhos acadêmicos, a HQ Taikodom: Eterno Retorno é a minha primeira publicação de ficção em si. Antes, trabalhei com roteiro audiovisual, cobertura de eventos esportivos, fui editor e repórter de alguns jornais comunitários e redator web. Quando entrei na Hoplon, tinha uma empresa de comunicação. Depois de um namoro inicial em outros projetos, fui contratado para escrever o conteúdo das primeiras versões do site do Taikodom. Tive que ser uma espécie de beta-reader, junto com o Tarqüínio [Teles, fundador e presidente da Hoplon] e o Cristovão [Buzzarello, um dos fundadores da empresa], das obras de universo ficcional (UF) do Gerson Lodi-Ribeiro. De lá pra cá, já são mais de cinco anos, período em que ajudei a documentar especificações da história taikodônica, ajudei a criar personagens, cenários e algumas tramas que fizeram parte das primeiras versões do game. Quando fui contratado oficialmente para trabalhar com o Universo Taikodom, tive que começar a estudar teoria literária por conta própria. Sempre gostei de fazer entrevistas, do diálogo possível, de contar histórias. Depois que estudei um pouco sobre o diálogos, enredos e criação de personagens, percebi que dava para misturar algumas coisas que aprendi no tipo de jornalismo que gostava com a criação e a edição literária. Desenvolver um personagem é como entrevistá-lo. Existem diversas técnicas narrativas, mas sua história tem que ser bem ambientada e bem contada.

Como foi o processo de escrita do roteiro dessa minissérie? E a parceria com o desenhista Eduardo Ferrara? Você pode descrever como foram os bastidores da criação daquelas páginas? Você mandava o texto de Santa Catarina, ele recebia em São Paulo, enviava o esboço de volta, o material era aprovado... Como foi isso na prática?

Dentre todas as outras atividades pelas quais fui responsável, os cinco episódios da série foram escritos nuns quatro anos. Em algumas épocas pude trabalhar nos roteiros e acompanhamento dos processos de arte com dedicação total. Mas tivemos também grandes intervalos nas entregas. Existem vários processos de se desenvolver quadrinhos do roteiro, passando pelos rascunhos, arte-final, colorização, até a editoração eletrônica dos textos e balões. Uma premissa do Universo Taikodom é que a Hoplon deve ter o controle criativo sobre todas as obras que são publicadas. Na maioria das vezes as obras são "encomendadas" para os autores, que as desenvolvem de acordo com a estratégia da empresa. Então optamos pelo tipo de roteiro que contém a descrição de planos de fundo, câmeras, expressões dos personagens, legendas e diálogos quadro a quadro. Esse roteiro é enviado ao Ferrara e sua equipe que, muitas vezes cria em cima, modifica, dá mais ritmo, cores e mais movimento na proposta original. Aprovamos todos os estágios, com uma alteração aqui e outra ali. Nos primeiros episódios teve que ser assim, um trabalho hercúleo mesmo, inclusive com todo aquele trabalho de desenvolvimento de cenários, figurinos, naves e tecnologias do século 23. Com o passar dos tempos foi ficando mais fácil. Nesse último episódio, por exemplo, em algumas páginas eu fiz mais uma marcação de cenas e descrição de quadros tipo storyboard, com o tom dramático e o que os personagens iam dizer. Agora no final reescrevi muito do texto original dos balões até para tentar dar o mesmo tom para os cinco episódios da série, que foi escrita durante todo esse tempo.

Qual foi a participação de outros criadores do universo ficcional do Taikodom no texto final, como Tarqüínio Teles, que é o idealizador original do conceito, por exemplo?

Os outros criadores do universo ficcional acompanharam de perto os primeiros episódios, a aprovação de personagen estrutura geral da trama, com início, meio e fim. Ultimamente temos aprovado nossas obras em colóquios onde eu, Tarqüinio, João Marcelo Beraldo, Gerson Lodi-Ribeiro, Paulo de Tarso (PDT) e outros envolvidos indiretamente nos trancamos numa sala por dois dias. Depois, cada autor sai com o dever de casa de desenvolver sua obra dentro do que foi conversado. Atualmente eu assino como editor responsável no final e boa parte do meu tempo é dedicado a primeira leitura e edição das obras. Mas na prática funcionamos como um conselho editorial. O Tarqüinio dá a última palavra.

Como foi a decisão de usar na revista um visual cartunesco diferenciado do estilo dos gráficos realistas do jogo?


Essa decisão foi mais em função da escolha do Ferrara e da avaliação dos seus trabalhos e currículo na época. Seu estilo característico veio junto. Poucos ilustradores no Brasil tratariam de cada estágio da arte desenvolvida para nossos quadrinhos com tanto carinho e dedicação. Isso é complicado ao longo de trabalhos desenvolvidos em períodos longos se levarmos em conta a agenda corrida desse tipo de profissional.

O desenhista Eduardo Ferrara lista mangás e quadrinhos do braço italiano da Disney entre as influências dele nos quadrinhos. E quais são as suas, entre roteiristas e escritores, dentro e fora da ficção científica?

Roteiristas: Os hors concours: Will Eisner, Alan Moore e Neil Gaiman. Depois vem Alexandro Jodorowsky. Abaixo deles no mesmo patamar: Mark Millar, Warren Ellis, Garth Ennis, Grant Morrison. Escritores: Gerson Lodi-Ribeiro. :-) São muitos e muitos: Mas vou listar mais os fora (ou na fronteira) da ficção científica: Italo Calvino, Julio Cortázar, Edgar Allan Poe, Will Self, Chuck Palahniuk, Pedro Juan Gutierrez, Fausto Wolf, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Na Sci-fi mais "atual" posso citar três caras que me inspiraram muito no Eterno Retorno: Charles Stross, Vernor Vinge e Richard K. Morgan. Roteiristas/diretores de cinema: Oliver Stone, David Cronenberg, Martin Scorsese, James Cameron, Stanley Kubrick, e Chan-wook Park.

Vai haver novos lançamentos de quadrinhos explorando o universo Taikodom? Já existe algo planejado ou pelo menos a ideia de como vão ser os novos projetos?

Nada ainda no nosso cronograma de lançamentos, aliás temos muitas obras literárias prontas na fila. Mas, se eu pudesse escolher, pensaria em novos projetos num tom mais realista e sombrio, talvez em preto e branco ou em mangás tradicionais.

Você é o editor de conteúdo do universo ficcional de Taikodom. Como é o seu dia-a-dia na empresa e o relacionamento com os demais criadores da casa, como Gerson Lodi-Ribeiro, que mora no Rio de Janeiro, e J. M. Beraldo, seu colega de trabalho em Florianópolis? Há reuniões virtuais constantes para ajustar a sintonia fina do processo?

Quinzenalmente promovemos mini-colóquios de algumas horas via Skype. Semestralmente, ou quando surge uma necessidade urgente, nos reunimos num colóquio de dois dias aqui em Florianópolis. Temos uma lista de email interna onde trocamos referências, perguntas e respostas quase que diariamente. Também passo na sala onde o Beraldo trabalha junto com o PDT, ou intercepto eles no cafezinho ou corredor (o Beraldo está sempre de um lado pro outro devido a suas atribuições de líder de conteúdo do game e interações com outros departamentos) quase todos os dias também. E o Tarquinio, sempre que pode ou que está aqui, passa nas nossas salas para bater um papo.

Está fazendo um ano exatamente que o jogo foi aberto aos interessados e a Hoplon acaba de fechar uma parceria para levá-lo a mais de 30 países. Como estão as expectativas relacionadas aos produtos derivados, como a HQ e os livros? Eles também devem ser lançados em outros mercados?


Temos a intenção e já estamos iniciando algumas conversas. Nos mercados onde a Devir alcança vamos sair com eles e/ou parceiros. O apoio da Devir na pessoa do Douglas Quinta Reis tem sido fundamental para concretizarmos nossas publicações e já temos muitos planos para o futuro.

E quais são os seus projetos futuros? Vai fazer mais roteiros de HQs? Há algum texto literário em vista? Pretende escrever algo além das criações internas do Taikodom?

Tenho outros projetos pessoais de quadrinhos e até livros dentro e fora do UF Taikodom já pensados para a frente. Mas como já vivo 24 horas por dia num mundo paralelo do futuro, nunca consegui tempo para desenvolvê-los no presente. Um dia consigo.

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