sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O vampiro de Brasília

Para cumprir o objetivo de se tornar um escritor de literatura fantástica, ele passou em três vestibulares de duas universidades em cidades diferentes, a Goiânia de nascimento e o Distrito Federal onde mora desde o início da década. Não satisfeito em garantir uma ampla formação acadêmica, ele ainda encarou uma batalha para lançar seu livro de estréia no gênero, Treze milênios – Gênese vermelha, uma mistura de vampirismo, ficção histórica e FC: desde longas caminhadas para digitar o texto em um computador emprestado, até uma vaquinha em família para viabilizar a publicação da obra (que é apenas a primeira parte de uma saga que, entre outras mídias, deve contar com nada menos que oito volumes escritos e algumas adaptações audiovisuais). Na entrevista a seguir, este determinado autor fala ainda sobre polêmicas na construção de personagens, opina a respeito do uso de temáticas nacionalistas na produção cultural e ainda dá uma prévia dos próximos projetos. Com vocês, o Vampiro de Brasília, Osíris Reis.

Considerando não apenas o número de livros que devem compor a série, mas também as diversas obras paralelas, Treze milênios é um dos projetos mais ambiciosos em andamento no país tendo a FC como tema. Antes de se lançar nessa saga, de que outros trabalhos em termos de literatura, seja na forma de contos ou de poesia, e de audiovisual você já participou?


Até os dezoito anos, apesar de apreciar loucamente a ficção fantástica, produzir algo nesse assunto não combinava com minha religiosidade (leia-se, a minha maneira de praticar a religião, e não o grupo religioso do qual eu fazia parte).

Apesar de não me permitir escrever ficção científica e terror, eu me permitia (e como!) imaginá-las, cena por cena, como se eu assistisse a um filme particular. Era a maneira de eu, menino, e depois adolescente, assistir filmes e TV quando não me era permitido.

Treze Milênios foi a história que mais me cativou de todas as que imaginei. Imaginei-a no final do ensino médio e comecei a escrevê-la no início do curso de medicina, ao sentir que, à medida em que estudava anatomia, eu perdia o "jeito" de criar tais histórias.

Em outras palavras, minha carreira literária praticamente iniciou-se com a saga. Antes disso, tenho poemas e canções escritas para a igreja da qual eu fazia parte, mas não me apetecem mais. Depois que comecei a escrever a saga, tendencialmente não faço nada fora dela. Exceções a essa regra são os trabalhos de faculdade, ou pedidos dos amigos mais próximos. Só recentemente é que venho tentando, dentro de minhas limitações de tempo, fazer outros trabalhos por conta própria.

Na faculdade, como era de se esperar, os projetos são principalmente audiovisuais. Há alguns contos escritos para uma ou outra disciplina, vários deles com temática fantástica (a qual, em princípio não é a menina dos olhos dos professores). Há um roteiro muito legal e simples, do início do curso e outro da metade do curso (muito elogiado por vários professores, mas também um tanto polêmico). Participei de peças de rádio (apresentação de programas piloto e radionovelas), da sonorização de Nosfê (sim, um curta sobre um vampiro), e também do documentário São Severino, sobre Severino Cavalcante, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Fiz uma pequena narração em A vingança da bibliotecária (terror), participei das animações do piloto do programa infantil Zonzo (vinhetas em que uma avezinha voava ao redor do planeta, passeava entre zebras, girafas e leõs etc.) e da produção do curta-metragem Do andar de baixo. Há ainda outros documentários dos quais participei, principalmente narrando. Há também cerca de cinco pilotos de programas de TV, que participei produzindo, filmando e dirigindo.

O trabalho para o qual mais me dedico atualmente é um programa na TV Comunitária de Brasília, uma revista eletrônica para idosos. Divido com Fernando Ladeira (que me deu uma senhora mão na revisão do primeiro livro) a redação, a câmera, a sonorização, a edição e os efeitos especiais.

Há também poemas e canções, mas nenhum deles publicados.

E claro, há as coletâneas de conto que estou, devagarinho, participando. O primeiro é o conto "Bandeiras", publicado na edição 16 da Scarium [fanzine de FC]. E tem outros aí no forno.

Nos agradecimentos de Gênese vermelha, você dá algumas pistas sobre os bastidores do livro, desde a ajuda de alguém para lhe emprestar o computador no qual o texto foi escrito, até a participação dos familiares que contribuíram para viabilizar a edição propriamente dita. Pode dar mais detalhes sobre como foi a batalha para estrear no ramo literário com um romance? Há quanto tento cultiva a idéia básica de Treze milênios?

A história dos oito livros foi bolada em 1997, enquanto eu concluía o ensino médio, com 17 anos. Ao terminar o segundo grau, minha intenção era trabalhar com Ficção Científica, mas sem sair de Goiânia. Como não havia qualquer "faculdade de FC", fui aconselhado a fazer um curso que me desse uma boa base científica, pra escrever depois, no tempo livre. Daí a medicina.

Obviamente isso não funcionou. Qual estudante de medicina tem tempo livre pra escrever? Quando se é médico de carreira consolidada, a coisa pode ser mais fácil, mas também não será muito mais simples do que quando se estuda medicina. Complicado, pelo menos. Isso me frustrou a ponto de abandonar o curso. Pra minha mãe, separada e nos sustentando com pouco mais de um salário mínimo, ver o filho abandonar medicina não foi nada tranqüilo, principalmente pelos problemas de saúde que ela estava enfrentando.

Como as finanças estavam complicadas, eu mesmo não estava legal e tinha me inscrito para o vestibular de engenharia mecatrônica (que, conforme eu imaginava, me aproximaria da FC), deixei de trabalhar e fui passar uns meses na casa dos meus avós, estudando para o vestibular. Nesses três meses, comecei a digitar, timidamente, o material que eu tinha manuscrito. Fiz o vestibular e voltei a Goiânia, para aguardar o resultado e ficar com minha mãe. Eu tinha uma perspectiva bem complicada caso não fosse aprovado: ficar sem estudar, só trabalhando. Por isso, usei boa parte desse tempo para terminar o primeiro livro. E como não tinha computador, pedi a um amigo da igreja (o Luciovan a quem agradeço no livro) para emprestar-me o computador que ele acabara de comprar. E tenho que dizer que o cara teve uma paciência de Jó, porque eu invadia o quarto dele horas e madrugadas a fio, digitando e revisando a primeira versão do livro. A parte "batalha" da história é que eu não tinha dinheiro de ônibus pra chegar na casa dele. Caminhava um bocado pra isso.

O livro foi terminado às pressas, mas mesmo assim o enviei, como rascunho, para algumas editoras. Como é de praxe, não houve qualquer resposta positiva. Fui aprovado para mecatrônica, mudei-me para Brasília e, com a opinião de alguns novos amigos do curso, comecei a revisar o trabalho. Cheguei a fazer uma revisão completa assim, apesar das horas estudando cálculo. Entretanto, as coisas só caminharam mesmo quando conheci o Fernando, jornalista, com quem hoje faço o programa na TV Comunitária. Ele me ajudou a fazer mais três revisões do trabalho. Mandei o livro para mais editoras, e novamente não houve resultados.

Enquanto fazia mecatrônica tomei conhecimento do curso de Comunicação Social, fiz um terceiro vestibular e acabei "grudando" no Audiovisual. Isso me permitiu vislumbrar melhor como a indústria cultural funciona, e como um livro longo, primeiro de uma série, de um brasileiro estreante, de FC e terror e, ainda por cima, pouquíssimo comportado, seria complicado para os editores brasileiros. Assim, publiquei-o primeiro pela Vivali, em formato eletrônico. Depois conheci a Corifeu, com a publicação sob demanda, bem mais barata do que as outras opções, mas ainda um tanto fora das minhas possibilidades. Meio relutante, procurei os parentes, pedi um pouco pra cada e, felizmente, eles puderam me ajudar.

Resistir à polêmica é fútil, portanto vamos logo a ela. Seu protagonista é descendente de alemães, branco, extremamente ético, preocupado com todas as formas e vida, heterossexual convicto. O antagonista é o oposto: mulato, totalmente amoral, genocida, bissexual. Quais foram suas intenções quando escalou personagens com tais características para desempenhar esses papéis tão distintos?

Quem me conhece sabe que os dois são igualmente parte de mim, diferentes faces da minha vida cotidiana e da minha história. O motivo pra que Eurass tenha sido mulato é que eu gostaria que um personagem parecido fisicamente comigo criasse a viagem no tempo. Devido a alguns traços da personalidade que imaginei para ele enquanto desenvolvedor de duas tecnologias tão à frente de seu tempo, a reação que ele teve à sede de sangue foi absolutamente aberta: assumir o monstro dentro de si. Além disso, com um vampiro mulato na Pré-escrítica, decidi aproveitar o mito do meu nome, só que transformando o Osíris, de uma divindade benevolente, numa malévola.

Já Adolf começa como o protótipo do bom moço, inclusive fisicamente. Minha intenção era, no decorrer dos oito livros, desconstruir esse "bom mocismo" do Adolf. E até pelas reações do livro, acho que dá pra dizer que tive sucesso, mesmo que "pesando a mão" "um pouco".

Eurass é programador de computadores, é lógico, é "capitalista". É o criador. Adolf é médico, psiquiatra, é caridoso. É o que conserta. Tanto o programador quanto o médico fazem parte do meu dia-a-dia (não, não pratico medicina). Acho que isso, por si só, já explica muito do comportamento de ambos. Suas etnias são em parte explicadas pela minha identificação enquanto criador da saga. E Eurass ser mulato como eu também é uma maneira de dizer que, como todas as pessoas, tenho meu lado monstro (que por vários motivos, decidi não exercer).

Finalmente, as etnias dessas personagens também se relacionam a pessoas de minha infância, muito íntimas. Uma, negra, vivia uma liberdade com um pé na libertinagem. A outra, branca, ensinou-me um autocontrole que às vezes beira a obsessividade. Obviamente, essa relação é apenas uma coincidência na minha vida. Aliás, conheci muitas pessoas, muito queridas, negras, que definitivamente não abusam da própria liberdade. E pessoas brancas cujo autocontrole não é o ponto forte. Assim, acredito que as etnias de Adolf e Eurass são uma referência de meu inconsciente às duas pessoas específicas que cito no começo deste parágrafo, e não às etnias negra / parda e branca. Vide as etnias das demais personagens do livro e seus comportamentos.

Escrevendo isso lembrei-me de uma personagem do livro que pertence às duas etnias ao mesmo tempo: Cosmo, do Prólogo e do Epílogo. Ele apareceu pouco nesse livro, mas aparecerá nos próximos, com sua história sendo contada paulatinamente. Porém, já foi possível perceber que ele alterna cor de pele, cabelos, cor de olhos e estrutura craniana. Há um padrão nessas mudanças de etnia, que só ficará mais claro nos próximos livros. Um padrão que considero relevante para essa questão.

Vale dizer que, das características citadas acerca dos dois, a orientação sexual não é, em absoluto, algo que eu desejasse criticar. No começo do livro, Eurass se mostra um tanto quanto machista e homofóbico. E certamente, pelo que se pode ler nas reações de Adolf, para ele, ser "heterossexual convicto" não é virtude nem defeito. Creio que a diferença entre os dois no que tange à sexualidade seja a seguinte: um permitiu-se viciar em sexo a ponto de não medir quem é machucado no processo, e o outro preocupa-se em conhecer a própria sexualidade (independente de ela ser hetero, bi ou homossexual) e vivenciá-la de maneira equilibrada.

Sua formação é bastante singular, como você já enfatizou: estudou medicina e mecatrônica e agora faz uma faculdade ligada aos meios audiviosuais. Fora isso, já participou de cursos ou de oficinas literárias, por exemplo? No livro, você aborda muitas questões de fundo filosófico e histórico, essas áreas do conhecimento também fazem parte do seu currículo formal ou você é um autodidata nelas?

Os cursos e oficinas literárias dos quais participei foram todos da formação de um estudante normal. Ou seja, antes de escrever o Gênese vermelha, as únicas oficinas de redação das quais participei foram as do Ensino Fundamental e Médio. Claro, no curso de Audiovisual participei de disciplinas voltadas à escrita, mas isso foi depois da última revisão do livro.

O que apresento de filosofia e história no livro apreendi no Ensino Médio. Para ser mais preciso, o pouco de filosofia que se dava diluído em outras disciplinas do Segundo Grau dos anos 90 foi o que serviu de base para que eu deduzisse a imensa parte das considerações filosóficas citadas no primeiro livro. Obviamente, após o ingresso no Ensino Superior (mais precisamente a Comunicação Social, com mais espaço para filosofia, antropologia e sociologia - não me recordo de ter usado no livro nada de filosófico que eu tenha aprendido na faculdade de medicina) fui identificando vários conceitos que eu tinha usado intuitivamente (ou deduzido) no livro.

Ainda na área curricular: o quanto essa já comentada formação contribui para a parte técnica, hard, de sua produção como escritor de FC? Além dela, como você se prepara para a pesquisa dos vários tópicos abordados na trama da série? Consulta livros ou sites especializados, tira dúvidas com pessoas da área?

Essa formação me ajudou a dar nomes mais precisos para o que eu descrevi na obra. Fora a citação da hemoglobina enquanto uma molécula estrelada com um átomo de ferro no centro (na verdade o grupo Heme da hemoglobina, que para facilitar a compreensão do leitor chamo genericamente de hemoglobina), todas as informações científicas citadas na obra foram apreendidas por mim ainda no Ensino Médio, sem pesquisa consciente do assunto.

Desde pequenininho curto muito ciências, e imagino cada detalhe atômico e celular com muita clareza, em cada momento do meu dia-a-dia. Ou seja, olhando para uma lâmpada em funcionamento, tendo a visualizar os elétrons sendo puxados, como grãos de ferro por um ímã, alternando o sentido desse "puxar", num movimento tão rápido que o filamento que conduz esses elétrons se aquece a altíssimas temperaturas. Mas não queima, nem reage com nada, devido à não reatividade do gás nobre que envolve essa molazinha de metal.

Também é uma característica minha preferir entender um conteúdo do ponto de vista do cientista que primeiro o enunciou. Isso era, por vezes, uma chateação para os professores, mas sempre foi fonte de prazer pra mim. Sentia que isso me dava liberdade de compreender pelo menos a maior parte dos motivos de tal conhecimento e das implicações do mesmo, bem como juntá-lo a outros. Como se cada novo conhecimento fosse uma peça de montar, e eu sempre gostasse de olhar a peça por todos os ângulos, para explorar suas possibilidades.

Dessa forma, eu acabei escrevendo, no livro, coisas que eu não conhecia mas que já eram estudadas. A teoria das supercordas é o maior exemplo disso. Obviamente, durante a revisão do livro, eu já com maior bagagem científica e cultural, pude renomear alguns dos termos que eu tinha criado por outros que eu tinha aprendido, mas as idéias permaneceram as mesmas. Outros, no entanto, deixei que permanecessem como estavam, até pela perda de conhecimento ocorrida na Informática Medieval do universo que criei.

Assim, para o primeiro livro, não creio que houve uma preparação específica. Entretanto, como os próximos livros se passarão em momentos históricos dos quais já temos mais registros, a pesquisa já está em andamento. Inclui, por enquanto, internet, documentários, filmes, conversas com amigos do curso de história. E certamente incluirá livros especializados, assim que a agenda desafogar um tiquinho.

Quais são suas principais influências no gênero fantástico, no cinema ou na literatura? Que autores você admira tanto na área de FC quanto na de terror, sejam eles nacionais ou estrangeiros

Definitivamente não leio tanto quanto gostaria. Uma autora que admiro é Clarice Lispector, apesar de ainda ter lido, dela, apenas A hora da estrela. Entretanto, o impacto dessa obra em mim é tamanho que considero que essa seja a minha maior influência. Mesmo que ela não tenha trabalhado FC, fiquei absolutamente cativo do fluxo de consciência que ela tanto explora em seu texto.

Leituras muito interessantes foram Anne Rice (O Vampiro Lestat), e Asimov (Os robôs do amanhecer). Estou seco pra ler Bram Stoker, Mary Shelley, e Verne. Mas tenho que confessar que isso só acontecerá à medida que der conta dos textos da faculdade, que estão atrasados.

Com meu recente ingresso no Fandom [a comunidade de fãs de FC], alguns livros brasileiros muito interessantes chegaram às minhas mãos. Tiro o chapéu para A mão que cria e para Necrópole - contos de vampiros. Embora ainda tenha muita coisa muito bem comentada na internet, que quero realmente quero ler.

Quase me esqueci. Cinema: as séries Alien, Matrix, O senhor dos anéis, Star trek e Planeta dos macacos. Os filmes O quinto elemento, Eu, robô, Enigma do Horizonte, Pacto com lobos, Do Inferno, Energia Pura. E a lista se estende.

Você faz parte de um manifesto chamado Antibrasilite que pretende explicitar a liberdade dos autores para que eles façam seus trabalhos independentemente de usar ou não temáticas nacionais. Mesmo assim, vale lembrar, há no livro uma personagem indígena, de origem aparentemente brasileira. Qual seu engajamento com os ideais do manifesto? Como você sente essa pressão que se faz a escritores para que atenham sempre a questões internas, preferencialmente de cunho social?

Posso começar respondendo com o que considero uma máxima: criar tem que ser um ato livre, o mais livre possível. Livre de amarras norte-americanizadas, mas também de amarras nacionalistas. Sim, Mani é uma índia de descendência brasileira, mas não considero que foi por Brasilitite que a incluí na história. Não foi o sentimento de obrigação ante a identidade nacional que me levou a isso, e certamente não foi meu editor (na época em que a história nasceu eu nem entendia direito o que ele faz) que me pediu uma história engajada com o Brasil. O sentimento que me levou a inclui-la na história foi imaginar (e desejar) que as nações indígenas sobreviveriam por milênios e formariam uma cultura belíssima ao conciliar suas tradições com a ciência e tecnologia do futuro. Posso até dizer que foi a vontade de que eles sobrevivam culturalmente mesmo quando o conceito de Brasil não mais fizer sentido.

O movimento começou como uma pequena reunião na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, de maneira bem informal. Logo me interessei, sugeri o termo "Antibrasilitite" e escrevi o manifesto, para que fosse votado pelo grupo. Por isso, fica fácil perceber porque meu engajamento com os ideais do manifesto é questão de essência, um imperativo interno, realmente. Creio que nunca engoli muito bem o etnocentrismo, a idéia de que a cultura em que crescemos é melhor ou deva ser mais valorizada que as outras. Não curto o nacionalismo em si, na verdade esse sentimento até me irrita um pouco. Creio que devemos nos preocupar, sim, com o povo do Brasil, e protegê-los de outras nações que porventura o agridam física, política ou econômico-financeiramente. Mas realmente não vejo muita razão de ser, me sinto meio enganado quando penso nos elementos que forjam a nossa nacionalidade ou a de outros povos. Gosto de jogos olímpicos quando o pessoal se respeita e se admira. Torço o nariz quando dizem que "o Brasil agora é o melhor do mundo em tal modalidade".

Meu conto "Bandeiras", na Scarium 16, traduz bem o que sinto sobre isso. Acho que enxergo culturas de nações estrangeiras como alguns brasileiros menos etnocêntricos costumam olhar a cultura de outros estados brasileiros, com grande respeito, admiração, e amplo espaço para troca. Creio que, no fim, somos todos humanos, todos seres inteligentes. Vale a pena, sim, manter nossas culturas. Mas o ideal da Democracia Intergaláctica de Treze Milênios, mesmo que politicamente utópico, é o ambiente de respeito e pluralidade cultural no qual eu me sentiria confortável.

Como digo no site do manifesto, acredito que a Brasilitite (a exacerbação do nacionalismo cultural brasileiro) teve sua importância, mas que, hoje, ela sufoca. O público, em grande parte, vive a Síndrome do Capitão Barbosa (o contrário da Brasilitite, ou seja, a proibição mental de tratar do Brasil nas obras de FC, Terror e Fantasia). A crítica e o mercado editorial vivem, em grande parte, a Brasilitite. Fica no mínimo complicado para o autor, não é?

Repito que o ato criativo deve ser o mais livre possível. Qualquer obrigatoriedade temática alija o autor de veios narrativos que poderiam enriquecer a história com o que há de mais genuíno dele.

No site http://www.trezemilenios.xpg.com.br/ você comenta que está participando da criação de uma associação nacional para escritores de ficção fantástica. Em que estágio se encontra tal projeto, quais são seus objetivos e como tem sido a recepção de outros autores à idéia?

Esse projeto está no aguardo. Minha intenção era de apenas dar o pontapé inicial para começar a associação, rascunhando um objetivo para a mesma, um site etc.. De lá para cá, entretanto, o projeto final do meu curso (um média-metragem baseado no Gênese vermelha) começou a tomar mais de meu tempo, assim como o programa na TV Comunitária. Mesmo assim, os autores de Ficção Fantástica no Brasil estão sempre em movimento, e acho que estamos vivendo um formidável momento.

Já que estamos falando de engajamento na área da ficção fantástica: como você analisa o estágio atual da FC, da fantasia e do terror no Brasil? Em sua opinião, o que poderia ser feito para tornar esses gêneros literários mais populares no país?

A geração dos anos 80, que cresceu jogando video-game e assistindo a He-Man, Superamigos, animes, Sexta-Feira 13 etc., é adulta hoje. E muito mais aberta a fruir e produzir ficção fantástica. Aos poucos, vejo isso chegar ao mundo acadêmico, não tão aos poucos assim a tecnologia se populariza e permite que façamos, aqui no Brasil, livros, vídeos, músicas com recursos técnicos respeitáveis e custo mínimo. Acho promissor esse momento. Acho meio improvável que a Ficção Fantástica não assuma um espaço na literatura brasileira, mesmo que isso demore mais uma década ou duas.

O que precisa ser feito já está acontecendo, naturalmente. Mas com certeza o Estado pode acelerar o processo, com os investimentos certos, no público certo, nos momentos certos. Num primeiro momento escrevemos FC, publicamos FC. Num segundo momento, crítica e academia voltam seus olhos para esse fenômeno. Num terceiro, bem posterior, a literatura fantástica brasileira ganha respeito na mídia e no mercado. Finalmente, as novas gerações habituam-se à ficção fantástica brasileira desde cedo, da mesma forma como tem acesso a animes, mangás e livros estrangeiros.

Vale citar que cada um desses momentos exige e promove o refinamento e o aumento da qualidade da Ficção Fantástica Brasileira.

Por fim: como está o desenvolvimento dos próximos passos da saga Treze milênios? Já há datas para novos lançamentos? Além desse projeto, que outros trabalhos ligados à ficção você deve produzir no futuro próximo?

O próximo passo de Treze milênios é a produção de um média-metragem, que é o meu projeto final para o segundo semestre de 2008. Há também a formulação de um sistema e de um livro de RPG, ambientado entre o primeiro e o segundo livros da saga. Posso adiantar que o sistema está bem interessante, mas ainda há um bocado a ser ajustado.

Após o filme, virá, é claro, o segundo livro da saga. Nesse ponto, pretendo dar uma folga na Faculdade (vou estar formado) e dedicar-me mais sistematicamente à escrita da saga.

Para agora, há minha participação no projeto 22 (http://www.ericnovello.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=457&Itemid=1 ), uma coletânea de contos de FC, Terror e Fantasia. E pretendo participar de outras antologias, com maior freqüência.

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