sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ficção científica semestral

No início da década de 90, durante pouco mais de dois anos, leitores brasileiros de ficção científica viram nascer, prosperar e morrer a mais importante iniciativa para difundir por aqui o que de melhor se produz neste gênero. Enquanto durou, a edição nacional da Isaac Asimov Magazine trouxe todos os meses a preço acessível e com distribuição ampla alguns dos mais importantes escritores de FC de todos os tempos: além do senhor que emprestava o nome à publicação, invadiram as bancas gente do nível de Orson Scott Card, Frederik Pohl, Geoffrey Landis, David Brin, Octavia Butler entre muitos outros. Mais que isso, a revista também abriu espaço para talentos locais que não fizeram feio ao dividir páginas com estrangeiros já consagrados, como Gérson Lodi-Ribeiro, Carlos Orsi Martinho, Jorge Luiz Calife, André Carneiro e Maria Helena Bandeira. Apesar de não chegar a dar prejuízo, os resultados comerciais não foram o esperado pela editora responsável, a Record, uma das grandes do mercado brazuca. Com o seu fim, toda uma geração de órfãos da IAM passou a se lamentar pela falta de projetos semelhantes.

Em 15 anos o quadro mudou muito pouco, apenas com alguns fanzines impressos e sites tentando manter atualizada a produção de escritores que ainda não haviam realizado o sonho do livro próprio. Porém, 2008 parece querer se firmar como um ano em que ao menos parte do vácuo deixado pelo fim daquele importante marco editorial pode ser preenchido. Neste segundo semestre, começam a se consolidar iniciativas neste sentido, com projetos coerentes que podem dar novo fôlego à ficção especulativa nacional. Talvez a proposta mais ambiciosa desta nova fase seja uma revista de título mutante que pretende apresentar, a cada seis meses, uma nova leva de autores, mesclando nomes conhecidos neste meio com outros mais identificados com a chamada literatura mainstream. Quem está capitaneando o empreendimento é o escritor e ensaísta Nelson de Oliveira, conhecido por organizar coletâneas de qualidade dentro do gênero fantástico – e que está preparando uma nova para ser lançada ano que vem pela mesma Record da falecida IAM, cujo título será Futuro presente: dezoito ficções sobre o futuro.

Na edição de lançamento, a revista recebeu o nome de Portal Solaris, em referência à obra-prima de Stanislaw Lem. Ao longo dos próximos três anos, a cada semestre, um novo Portal deve ser lançado, sempre com a mesma intenção de homenagear grandes ícones da ficção científica; pela ordem, são eles Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit. A idéia por trás desta lista de títulos é simples, mas pode dar um bom resultado: o projeto pretende despertar o desejo por FC de qualidade em novos leitores, criando uma demanda para ser satisfeita em uma fase posterior. Neste primeiro momento, os autores reunidos se divididem em cotas para bancar a publicação, cuja tiragem reduzida é distribuída entre alguns formadores de opinião por todo o Brasil. Somente após consolidar o conceito, ao longo das seis edições anunciadas, é que os responsáveis pretendem transferir o Portal para uma editora, incubida da impressão e distribuição, passando assim a remunerar seus colaboradores com os direitos autorais.

“Cada portal é um organismo cibernético multidimensional, sem forma ou conteúdo definidos, acionado pela fantasia e pelos desejos de quem o utiliza”, escreveu Oliveira no texto de apresentação do número de estréia do projeto. “Juntos, os seis portais funcionam como o aleph do célebre conto de Borges. Juntos, os seis portais formam o ponto de onde é possível enxergar todos os pontos do uiverso. Ou ser por eles enxergado”. A forma com que este primeiro Portal se manifestou é a de uma revista em preto e branco, com 106 páginas e dimensão de 16 por 23 centímetros. O requinte gráfico se manifesta no belo projeto gráfico, de sobriedade elogiável, e na excelente capa, um estudo caligráfico do título da publicação, assinado Teo Adorno. Até a revisão, feita por Mirtes Leal, está muito acima da média dos lançamentos nacionais, aí incluídos livros e revistas.

Quanto ao conteúdo, Oliveira reuniu 14 contos de dez autores de nada menos que sete estados do país, dando uma ótima amostra contemporânea, e em escala verdadeiramente nacional, do que se produz em termos de ficção fantástica. A escolha dos convidados contemplou alguns nomes conhecidos de quem acompanha a FC nacional e outros que se mostram uma boa novidade na área. O mais veterano, sem dúvida, é Roberto de Sousa Causo, um dos escritores nacionais premiados e publicados pela já citada IAM (a noveleta “Patrulha para o desconhecido” foi impressa no número 14). Em sua contribuição para o Portal Solaris, o paulista, autor de A corrida do rinoceronte e responsável por uma coluna semanal sobre FC para uma página da internet, apresentou o conto “Rosas brancas” – dedicado ao americano Philip K. Dick – cuja temática bélica futurista faz parte de suas marcas registradas.

Ataíde Tartari, morador de Santos, já participou da coletânea de contos de um subgênero da FC, a história alternativa, chamada Phantástica brasiliana e publicou livros originalmente escritos em inglês, como Tropical shade. Para a revista, ele escreveu um texto que presta homenagem ao clássico Um estranho numa terra estranha, do também americano Robert Heinlein, a começar pelo título, que cita quase literalmente o protagonista daquele romance, “Valentim”. O outro paulista do time, Ivan Hegenberg, divide a coordenação do projeto com seu conterrâneo Nelson de Oliveira. Ele estreou na área da FC com seu segundo livro, a distopia futurista Será, já resenhado aqui no Overmundo, de onde extraiu os dois contos publicados em Portal Solaris. “Dia qualquer” e “Mastch” deixam claro, respectivamente, a influência que Clarice Lispector e Friedrich Nietzsche exerceram sobre o jovem escritor.

Os demais colaboradores vieram de todas as regiões do Brasil e de além mar. Carlos Emílio C. Lima, autor de O romance que explodiu, é do Ceará; Carlos Ribeiro (Lunaris), da Bahia; Geraldo Lima (A noite dos vagalumes), de Brasília; Homero Gomes (Sísifo desatento), do Paraná; Luiz Bras (A última guerra), mora em Portugal; Mayrant Gallo (O inédito de Kafka), da Bahia e Rogers Silva (Manicômio, livro ainda inédito), de Minas Gerais. Porém, como deixou claro naquele editorial, Nelson de Oliveira pretende mudar não só o título a cada edição, mas também variar forma e conteúdo de sua série de portais. Interessados em participar de alguma maneira desta iniciativa, podem contatar o coordenador editorial pelo e-mail oliveira.e.cia@uol.com.br

4 comentários:

Camila Fernandes disse...

A proposta é realmente interessante. Deve vir coisa boa por aí.
Mas o que impressiona de verdade é a capacidade do Romeu de fazer resenhas claras e instigantes. O cara não poupa esforços. Quisera ter essa disposição e coerência para discorrer sobre o trabalho alheio.
Romeu. Será você um dos formadores de opinião que receberam o primeiro exemplar? Rs!
Grande abraço.

Romeu Martins disse...

Oi, Mila... Desculpa a demora em comentar :)

Muitíssimo obrigado por suas palavras. Sim, acabei recebendo um dos exemplares, com direito a dedicatória.

Abração

André Aguiar disse...

Ola Romeu!!
Tranquilo!?

Conheci seu blog através da Laura prima da Ludi.
e Gostei muito dos seus textos.
Gostaria de saber se vc tem interesse em desenvolver roteiros para HQs?
Eu trabalho na Mtv com desenho animado e estou muito afim de produzir Hqs.Acho que poderiamos desenvolver alguma coisa nesse universo fc borginiano.

se tiver interesse me manda um e-mail...(andr82aguiar@yahoo.com.br)

meu blog(supercapsulattwa6.blogspot.com)

é isso ae...abraço

André

Unknown disse...

Muito bom o seu Blog, Romeu, Parabéns, colocarei em meus favoritos com certeza, um abraço e sucesso em sua carreira.

Atenciosamente,

Rodrigo...